domingo, 29 de março de 2015

O Acidente do Monte Oiz

Foto da Aeronave Acidenteda
(Disponível em https://www.flickr.com/photos/52467480@N08/)
No dia 19 de Fevereiro de 1985, o Boeing B-727-256, prefixo EC-DDU, numero de série 21.777, da empresa Iberia Airlines, executava o vôo IB610, com 141 passageiros e 7 tripulantes  ligando a capital Madrid à cidade de Bilbao, a mais populosa do País Basco, região localizada no nordeste da Espanha.

O vôo era conduzido por uma tripulação experiente composta pelo comandante com 13.678 horas de vôo, das quais 4.671 no Boeing 727, primeiro oficial com 5.548 horas de vôo das quais 2.845 no Boeing 727 e engenheiro de vôo com 2.721 horas de vôo, todas no Boeing 727.

A decolagem do Aeroporto Barajas em Madrid ocorreu sem problemas às 07h47min e logo a aeronave foi autorizada ao nível de cruzeiro de 26.000 pés para o vôo de aproximadamente 45 minutos até o Aeroporto Sondica em Bilbao.

Às 08h07min, o Iberia 610 entrou em contato com freqüência de operações da empresa em Bilbao e recebeu as condições meteorológicas do aeroporto que eram vento de cento e dez graus com velocidade de quatro nós, visibilidade de quatro quilômetros reduzida por nevoeiro, nuvens cumulus a dois mil pés de altitude e stratocumulus a quatro mil pés, temperatura sete graus, ponto de orvalho sete e ajuste de altímetro mil e vinte e cinco (1025).

Às 08:16 o controle de aproximação orientou o Iberia 610 a contatar a Torre Bilbao, momento à partir do qual passamos a acompanhar através dos diálogos. Frases em negrito sublinhadas são meramente explicativas e não constam da transcrição oficial.

TWR: Torre de Bilbao
C2: Primeiro Oficial

08.16:03   C2: Torre Bilbao, bom dia seis uno zero
08.16:06   TWR: Iberia 610, bom dia, prossiga
08.16:09  C2: Estamos livrando o nível uno três para o nível cem, vinte e oito fora. (vinte e oito millhas do aeroporto)
08.16:13   TWR: Recebido Iberia 610, um momento por favor.
08.16:33  TWR: Iberia 610, pode continuar descida para aproximação ILS A, Bilbao, pista 30, o vento é de 100 graus com 3 nós, QNH 1025 e nível de transição sete zero.
08.16:44   C2: Obrigado, descendo para mínimos do setor com 1025.
08.16:44  TWR: Correto, 1025, se desejar pode proceder direto ao fixo. (A torre autoriza a aeronave a voar diretamente ao fixo que baliza o início do procedimento ILS-A para a pista 30, o que encurtaria o vôo)
08.16:54  (Alarme de altitude)
08.16:55   C2: Vamos fazer a manobra padrão
08.16:57  TWR:  Recebido, notifique passando o VOR.
Durante os cinco minutos seguintes, foram realizados checklists para a descida e conversas internas na cabine, sem diálogos entre a aeronave e a Torre Bilbao.
08.22:04  C2: Sete mil pés sobre o VOR, Iberia 610 iniciando a manobra
08.22:07  TWR: Recebido 610
08.22:40  (Ruido de compensador)
08.23:02  (Alarme de alerta de altitude)
08.23:59  C2: Coloquemos os cintos
08.24:00 (som de aviso aos passageiros)
08.24:12 AUX:  Senhores passageiros, por favor, atem seus cintos de segurança. Ladies and Gentlemen, Will you please fasten your safety belt, thank you.
08.24:27  (alarme de alerta de altitude) (sinais Morse BLV, VOR, DME Y NDB BIL)
08.25:30  (alarme de alerta de altitude)
08.26:20  C2: Cinco por favor  (referindo-se aos flaps)
08.26:57  C2: Minimo, uno seis... três. Quatro mil e trezentos curva.
08.27:04  **** Ruído de impacto *****. Seguem ruídos e vozes não identificados.
08.27:14  * Fim da gravação *

Apenas 10 segundos após o início da curva para aproximação final, o Iberia 610 colidia com uma antena de 54 metros da emissora Euskal Telebista localizada a uma altitude de 1.000 metros no Monte Oiz, situado 30 quilômetros a sudeste do aeroporto. A aeronave estava sob controle com razão de descida de 600 pés por minuto e velocidade indicada de 208 nós.

Como resultado do primeiro impacto, parte do trem de pouso esquerdo e a porta esquerda do trem de pouso dianteiro foram perdidos, além da total separação da asa esquerda.

Após perder a asa esquerda a aeronave tornou-se incontrolável, girou no sentido anti-horário e colidiu com árvores localizadas no Monte, a 930 metros da base das antenas, abrindo uma clareira. Após o impacto com as árvores a aeronave foi destruída.
 


Aproximadamente 40 minutos após a perda de contato entre a torre e o Iberia 610, uma ligação confirmou a queda da aeronave e médicos e bombeiros dirigiram-se para o local. Todas as 148 pessoas a bordo estavam mortas.

A antena estava localizada a aproximadamente 3.600 pés de altitude, enquanto a altitude mínima para o setor era de 4.354 pés. Como poderia uma tripulação capacitada, em uma aeronave moderna, estar voando abaixo da altitude mínima, próxima a obstáculos significativos em uma situação de baixa visibilidade?
Trajetória aproximada do Iberia 610
Em primeiro lugar, averiguou-se que era o co-piloto quem estava pilotando aeronave, visto que as comunicações na fase de subida foram realizadas pelo comandante. Embora as comunicações com o setor de operações da empresa e com a torre de Bilbao tenham sido feitas pelo co-piloto, foram breves e nas fases de cruzeiro e descida. Além disso, o co-piloto informou que deveriam ser colocados os cintos de segurança para finalizar o checklist de 10.000 pés, além de fazer solicitação de flaps, o que normalmente era executado pelo piloto em comando.

Destaca-se que este é um procedimento normal e é comum que os membros da tripulação se revezem, cada um pilotando a aeronave em determinadas etapas, visto que realizarão diversos vôos durante um dia.

No entanto, presume-se que o comandante era quem selecionava a altitude no sistema de alerta de altitude. A análise levou em consideração que, de acordo com outros pilotos da Iberia, essa era uma prática comum deste comandante. Soma-se ainda o fato de que algumas seleções de altitude foram feitas em momentos em que o co-piloto falava simultaneamente com a torre Bilbao, o que tornaria difícil a seleção por parte do mesmo.

Ao voltar a atenção para a altitude que o avião mantinha, verificou-se que quando o co-piloto informara à torre que estava a 7.000 e a 5.000 pés, a aeronave efetivamente estava a esta altitude, podendo ser afastada, porém não completamente descartada, uma eventual falha do altímetro.
Analisando a altitude da aeronave, cabe uma explicação acerca do sistema de alerta de altitude do Boeing 727.
O sistema de alerta de altitude instalado no Boeing 727 apresentava sinais de alerta visuais e sonoros quando a aeronave desvia ou chega perto de uma altitude previamente selecionada.

O sistema opera da seguinte forma: quando o avião se aproxima da altitude selecionada, e está a 900 pés da mesma, o alarme sonoro é ativado por dois segundos e uma luz âmbar acende no painel. Quando a aeronave permanece se aproximando da altitude selecionada e está a 300 pés da mesma, a luz âmbar desliga-se e o sistema automaticamente troca para modo de desvio. Quando o desvio ultrapassa 300 pés da altitude selecionada, novamente o alarme é acionado por dois segundos e a luz âmbar acende no painel. A luz é mantida até que a aeronave ultrapasse 900 pés da altitude selecionada. A partir deste ponto o sistema automaticamente rearma para modo de aproximação. Quando a diferença entre a altitude selecionada e a altitude atual é inferior a 300 pés, nenhum aviso é apresentado.
Funcionamento do Sistema de Alerta de Altitude
Na manobra padrão para aproximação VOR para pista 30 do Aeroporto de Bilbao, a aeronave deveria passar a 5.000 pés sobre o fixo localizado a 13 DME do VOR BLV e então iniciar curva para descida, devendo passar novamente sobre o fixo a uma altitude mínima de 4.354 pés.

Nove segundos antes de deixar 7.000 pés, é possível ouvir o alarme do sistema de alerta de altitude indicando a seleção de uma nova altitude (5.000 pés). Posteriormente, a 900 pés da altitude selecionada é possível ouvir o alarme novamente.

Logo em seguida ouve-se mais uma vez o alarme, indicando a seleção de uma nova altitude, neste caso 4.300 pés. O equipamento de alerta de altitude foi encontrado nos destroços e os dois primeiros números eram 4 e 3. Tal equipamento não permitia que fossem colocados números inferiores à centena.  Neste caso, no entanto, a altitude de 4.400 pés deveria ter sido selecionada, uma vez que a altitude mínima para o setor era de 4.354 pés.

Estando a aeronave a 5.000 pés e sendo selecionada a altitude de 4.300 pés (diferença menor que 900 pés), a luz âmbar acendeu, no entanto, o alarme somente soaria quando passasse 300 pés da altitude selecionada, ou seja, a aproximadamente 4.000 pés, e não mais 900 pés antes da altitude selecionada. Neste caso, o co-piloto deve ter interpretado o alarme do modo desvio (300 pés abaixo da altitude selecionada) como sendo o modo de aproximação (indicando que estava a 900 pés da altitude selecionada), inadvertidamente continuando na descida abaixo da altitude mínima de segurança.

Para corroborar na tese da confusão da altitude em que se encontrava a tripulação, os investigadores voltaram a atenção para a grande razão de descida empregada pela aeronave na parte final da aproximação. Estando a 5.000 pés no bloqueio do VOR e tendo que estar a 4.354 pés no rebloqueio, era necessária uma descida de apenas 600 pés, o que seria facilmente atingido durante a curva do procedimento. No entanto, ao deixar 5.000 pés, o co-piloto aplicou razão de descida de 1.500 pés por minuto durante 48 segundos, o que fez com que a aeronave atingisse a altitude de 3.870 pés (já abaixo da altitude mínima), quando então a razão de descida foi reduzida para 700 pés por minuto. Este fato somado a comentários captados no gravador de voz da cabine levaram os investigadores a acreditar que o co-piloto desejava fazer a manobra mais curta ao invés da manobra padrão e que teria mudado de idéia provavelmente por um sinal ou gesto do comandante.

Isto pode ter gerado um conflito mental no co-piloto que desejava realizar um vôo mais curto e autorizado pela torre. A diferença entre os dois procedimentos é que seguindo direto para o fixo, deveria ser mantida altitude de 7.000 pés, enquanto a manobra padrão permitia que sobrevoasse o fixo a 5.000 pés.  Isto poderia explicar a grande razão de descida da aeronave, pensando o co-piloto estar a uma maior altitude, já que mentalmente teria planejado passar sobre o fixo a 7.000 pés. Destaca-se ainda como fator contribuinte o fato do comandante não realizar os checks de altitude a cada 1.000 pés além de um provável erro na leitura do altímetro.

Sobre o altímetro, a aeronave era equipada com um equipamento do tipo Drum and Needle. Este altímetro possui uma pequena janela em seu interior no qual é apresentada a informação referente ao milhar da altitude, enquanto que o ponteiro indica as grandezas inferiores ao milhar (centena e dezena).

Na figura abaixo, por exemplo, é apresentada uma altitude de aproximadamente 24.640 pés, uma vez que na janela do interior do altímetro está sendo apresentada uma indicação entre o número 24 e 25 e o ponteiro indica um ponto na escala passando um pouco o número 6 e, neste caso, cada divisão menor da escala é de 20 pés.
Altímetro do tipo Drum and Needle
Diversos estudos foram feitos pela NASA no que tange ao comportamento dos pilotos na leitura do altímetro.

Um bom instrumento é aquele que apresenta ao piloto a informação que ele procura. Provavelmente o altímetro do tipo drum and needle não seja um bom instrumento uma vez que este modelo de altímetro normalmente exige uma dupla visualização, já que o piloto precisa olhar primeiro para a janela no interior do mesmo e após para o ponteiro.

De acordo com os estudos, o movimento dos olhos dos pilotos sugere que o altímetro é um instrumento de baixa prioridade, enquanto deveria ser de alta prioridade. Segundo estes estudos, numa aproximação guiada por ILS, os pilotos gastam em torno de 3% a 6% do tempo total olhando para o altímetro, ainda que recebam informação de altitude do glide slope. Os resultados dos testes mostram que os pilotos olham muito pouco para a janela que marca os milhares de pés, aparentemente pela dificuldade de leitura.

Alguns comentários de pilotos citaram que este tipo de altímetro exige maior concentração para leitura e que a janela no instrumento é muito pequena, normalmente exigindo um duplo olhar, tirando a atenção do ponteiro. Erros de leitura normalmente ocorrem à baixa altitude, quando a leitura é dividida com outras atividades.

Por fim, os investigadores analisaram ainda as cartas de navegação utilizadas pela tripulação.
Apesar de ser um obstáculo significativo na aproximação para o aeroporto de Bilbao, o Monte Oiz com 1.027 metros de altitude, não constava nas cartas de aproximação tanto da AIP España, quanto da Iberia, tampouco constavam as antenas ali situadas.
Carta usada em 1985

Carta Atual
Retângulo vermelho para destacar Monte Oiz não faz parte da carta oficial
O relatório final apontou como causas do acidente a confiança da tripulação na captura automática do sistema de alerta de altitude; a interpretação incorreta dos alertas deste sistema; e uma provável leitura incorreta do altímetro, fazendo a tripulação voar abaixo da altitude segura colidindo com antenas de televisão, perdendo a asa e tornando a aeronave incontrolável.

Visando que fossem evitados novos acidentes, o relatório final sugeriu, dentre outras recomendações, a substituição dos modelos de altímetro; modificação do sistema de alerta de altitude; modificação das cartas de navegação do Aeroporto de Bilbao, além de reiterar a importância do trabalho em equipe na cabine.


No entanto, muitas pessoas, dentre elas parentes das vítimas, contestam o relatório final, defendendo a tese de que a verdadeira causa teria sido um atentado à bomba do grupo ETA, que luta pela independência política e territorial do País Basco . Os defensores desta tese apontam o fato de que diversos políticos estavam a bordo, além de alguns terem desistido do vôo na última hora. Ainda, de acordo com relatos de algumas testemunhas, teria havido uma explosão antes da queda.

Texto: André Werutsky
Fotos: 1 - George Woods (Disponível em https://www.flickr.com/photos/52467480@N08/)
           2 - El Correo de 20/02/1985 (Disponível em http://www.elcorreo.com/)
           3 - El Pais de 20/02/1985 (Disponível em http://www.elpais.com)
           4 - André Werutsky (Ilustração Google Earth)
           5 - Relatório Final (Disponível em http://www.fomento.es/)
           6 - Relatório Final (Disponível em http://www.fomento.es/)
           7 - Relatório Final (Disponível em http://www.fomento.es/)
           8 - Carta aérea (Disponível em http://www.enaire.es/)
Fonte de Pesquisa: Relatório Final (Disponível em http://www.fomento.es/)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"Teoricamente nada pode nos acontecer"

Foto da aeronave acidentada

            Em 26 de julho de 1979, uma aeronave Boeing 707-300C da empresa alemã Lufthansa, prefixo D-ABUY realizava o vôo LH 527, cargueiro regular que ligava a cidade de São Paulo a Frankfurt com escalas no Rio de Janeiro e em Dakar.
            A primeira parte da viagem foi realizada normalmente e uma nova equipe composta por 3 tripulantes (comandante, primeiro oficial e engenheiro de vôo) assumiu o vôo para completar seu maior trecho, ligando o Rio de Janeiro a Dakar.
            Às 18:05 o LH 527, com 3 pessoas à bordo, abastecido com 47.000Kg de combustível JET A-1 iniciou seu táxi até a cabeceira 27 do aeroporto do Galeão (atualmente cabeceira 28) e durante este procedimento foi orientado que, após a decolagem, deveria realizar curva à direita para aproar o VOR Caxias (CAX) mantendo 2.000 pés e chamar a freqüência do controle de aproximação.
            VOR é um auxílio à navegação aérea e trata-se de um radiofarol que emite uma freqüência de rádio para o equipamento de navegação da aeronave, dando a direção da mesma para a antena do VOR. Esta direção em linha reta é denominada radial. A maioria dos VORs, como é o caso do VOR CAX, também apresentam a distância entre a aeronave e o mesmo (Distance Measure Equipment ou DME).
            O procedimento adotado pelo controle de aproximação para as aeronaves que se dirigiam para o setor norte e nordeste do aeroporto e transmitido pela torre para o LH 527, possuía uma restrição à subida normal, com objetivo de evitar conflito com uma aeronave sobre CAX em aproximação para o Aeroporto Santos Dumont (PP-VLY) e outra na perna do vento da pista 27 do Aeroporto do Galeão (Varig 409).
            Cabe aqui ressaltar a proximidade dos aeroportos que aliada ao relevo da região obrigava que as aeronaves em aproximação para o Aeroporto Santos Dumont cruzassem a área do Aeroporto do Galeão a baixa altitude, restringindo as decolagens e necessitando que as aeronaves que decolavam das pistas 27 e 32 do último efetuassem curva à direita com sobrevôo do setor norte do aeródromo, necessitando muita atenção de todos envolvidos.
Aeroporto do Galeão e Aeroporto Santos Dumont
            Ao receber a instrução de saída, o comandante do LH 527 se mostrou um pouco confuso com o procedimento e, ao questionar o controlador da torre, lhe foi transmitida a mesma instrução e que deveria chamar o controle de aproximação logo em seguida.
Este diálogo levou aproximadamente 4 minutos e, com esse pequeno atraso, o tráfego que impunha restrição ao procedimento normal a ser executado pelo LH 527 evoluiu de forma a não mais ser necessária tal restrição. Porém, essa situação não foi informada ao controlador de saída, que manteve as instruções dadas à tripulação.
            Às 18:27 o LH527 deixava o solo do Galeão e logo em seguida passou a comunicar-se com o controle de aproximação do Rio.
 Neste momento passamos a acompanhar os diálogos estabelecidos entre a tripulação o controle de aproximação. A transcrição está segmentada para facilitar a compreensão. Palavras entre parênteses sublinhadas são meramente explicativas e não fazem parte da transcrição oficial.

LH 527 = Lufthansa 527
APP = Controle de Aproximação

18:28
LH 527: Galeão, LH 527, boa noite.
APP: 527, Rio, prossiga LH.
LH527: Nós estamos passando 1.500 pés para Caxias.
APP: Vire à direita, rumo 040, virando à direita, rumo 040 e mantenha 2.000 pés até próximo aviso, LH527, e aumente sua velocidade se possível.

            A tripulação do LH 527 não foi informada sobre o motivo das restrições, porém seguiu as instruções dadas pelo controle, tanto que já voava no rumo 040 a 2.000 pés poucos segundos depois.
    No entanto, a saída 16 que era executada pelo LH 527 possuía uma restrição de velocidade de no máximo 250 nós abaixo de 10.000 pés, o que não foi verificado pela tripulação que entendeu a instrução do controlador como uma liberação total de velocidade.
            A conversa entre os pilotos gravada pelo cockpit voice recorder mostra exatamente esta situação, somada a certo desconforto por estar voando com uma grande aeronave, a baixa altitude e sem contato com o controlador há cerca de 1min30s.

18:28 47 – Ele só falou aumente sua velocidade.
18:29 04 – Eu estou no 2 agora. (provavelmente referindo-se ao rádio VHF2)
18:29 29 – Nós estamos sob controle radar, isto significa que teoricamente nada pode nos acontecer. Bem, Caxias está 20 a 23 milhas a 2.000 pés e subindo para 4.000.

            Cerca de 30 segundos após esse diálogo o controlador, que até então estava lidando com outros tráfegos, volta a sua atenção para o LH 527 e é surpreendido pela posição da aeronave, além da distância de 10NM (milhas náuticas) da tela do seu radar onde, por seus cálculos, a mesma deveria estar. No entanto, a aeronave já voava perigosamente próxima a Serra dos Macacos. Neste momento voltamos ao diálogo entre o controle e a aeronave.

18:31
APP: LH, vire à direita rumo 140 agora.
APP: LH 527, vire à direita no rumo 140 e suba sem restrições.
LH 527: Ciente, deixando 2.000 pés, LH 527, virando à direita no rumo 140
APP: Continue virando à direita até o rumo 160, LH, e aumente sua razão de subida para 3.000 pés por minuto.

            O LH 527 não cotejou a primeira instrução embora tenha iniciado a curva conforme instruído. A última chamada do controle coincidiu com o som do GPWS (Ground Proximity Warning System) da aeronave, indicando que esta voava perigosamente próxima do solo.
            Neste momento a tripulação executou uma curva ascendente de aproximadamente 3.2Gs (3.2x a força da gravidade) o que, no entanto não evitou a colisão da asa esquerda com algumas árvores e a posterior desintegração da aeronave numa trajetória de 800 metros. Após o impacto a aeronave pegou fogo. Não houve sobreviventes.
Foto do local da colisão
            A investigação das causas do acidente ficou sob responsabilidade do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) que, após verificar que não havia indícios de defeito na aeronave, voltou a atenção para os diálogos entre a aeronave e o controle além do serviço de vetoração radar prestado.
            A Instrução do Comando da Aeronáutica ICA 100-12, que atualmente determina as regras do ar no Brasil, em seu item 14.2.1 estabelece que “a vetoração radar é o mais completo serviço radar proporcionado. Sempre que uma aeronave estiver sob vetoração radar, será proporcionado controle de tráfego aéreo e o controlador será responsável pela navegação da aeronave, devendo transmitir para a mesma as orientações de proa e mudança de nível necessárias”.
            Na época do acidente, estava em vigor a MMA-DEPV 60-06, que possuía a mesma redação do item acima citado.
            No relatório final do acidente, o CENIPA aponta algumas falhas do serviço de controle de tráfego aéreo relativas à carga de trabalho e instruções emanadas pelo controlador durante a vetoração radar.
            Quanto à carga de trabalho, no momento do acidente o serviço de controle de tráfego aéreo era executado através de três scopes (posições ou telas de radar) ao invés de quatro que eram normalmente utilizadas. Além disso, a coordenação entre o controle de aproximação e a torre de controle do Galeão que deveria estar sendo realizada pelo controlador assistente de chegada estava sendo realizada pelo controlador assistente de saída. 
            No momento do acidente, o controlador de saída vetorava 5 tráfegos simultaneamente, sendo 4 no setor sul e 1 no norte, justamente o LH 527. Assinala o CENIPA em seu relatório final que no momento em que o LH 527 exigia a máxima atenção do controlador, este tinha a atenção desviada com situação de conflito de tráfegos no setor sul, que exigiam sua intervenção imediata, o que foi feito, porém emitindo instruções desnecessariamente detalhadas e extensas para outros tráfegos.
         Ressalta ainda que o serviço de vetoração radar exige intensa elaboração mental do controlador, não sendo recomendável ter mais de 4 aeronaves sob vetoração simultaneamente. Sendo assim, quando o controlador mais necessitava da atuação do seu assistente, ele estava realizando tarefa que competia ao assistente de chegada final, gerando um aumento na carga de trabalho do controlador de saída.
            Outro fato relacionado ao controle de tráfego aéreo destacado pelo CENIPA foram instruções incompletas dadas ao LH 527.
            Ao informar à aeronave de que ela se encontrava sob vetoração radar, o controlador deveria informar o motivo e o procedimento alternado em caso de falhas de comunicação, o que não foi feito.
          Além disso, ao solicitar que a aeronave aumentasse sua velocidade, o controlador não informou o limite pretendido e essa solicitação, como pode ser depreendido dos diálogos, foi entendida pela tripulação como uma liberação total de velocidade.
Porém, havia uma restrição de velocidade de no máximo de 250 nós abaixo de 10.000 pés dentro da Terminal Rio. A instrução dada pelo controlador tinha a intenção de que a aeronave não ultrapassasse a velocidade máxima da terminal e, no entanto, esta velocidade foi excedida pelo LH 527.  O excesso de velocidade, somado a um vento de cauda de 13 nós, fez com que a aeronave entrasse na área crítica mais rapidamente do que o controlador esperava.
Como em todo acidente, e neste não poderia ser diferente, uma série de fatores contribui para seu acontecimento. Restava uma pergunta a ser respondida: como a tripulação não notou que estava entrando em uma situação de perigo iminente?
Ao analisar a atuação da tripulação, o CENIPA levou em consideração principalmente os diálogos gravados pelo Cockpit Voice Recorder. Neles se tem uma forte noção de que a tripulação confiava plenamente que estava sendo monitorada pelo controlador em sua vetoração, tanto que cerca de 1 minuto antes da colisão, o comandante profere a emblemática frase “estamos sob vetoração radar, isto significa que teoricamente nada pode nos acontecer”.
Um segundo aspecto levado em consideração foi a carta de saída utilizada pela tripulação, pois a mesma era editada pela empresa, centrada no VOR Caxias e orientada para o norte verdadeiro.
No diálogo da tripulação pode-se verificar que o comandante consultava a carta, uma vez que menciona que Caxias está 20 a 23 milhas a 2.000 pés e subindo para 4.000.            A análise do CENIPA afirma que o comandante verificava na carta que poderia voar até 23 milhas DME do VOR Caxias a 2.000 pés e, posteriormente, deveria subir para 4.000 pés. Porém, o comandante provavelmente julgou que a carta era orientada para o norte magnético e interpretou o seu curso 040º magnéticos á direita (ou mais ao sul) do que realmente estava. Não percebendo a variação de 19º a oeste indicada na carta, ele provavelmente julgou estar mais ao sul, onde voar a 2.000 pés ainda seria seguro por mais um tempo.
Soma-se a isso a pouca experiência do comandante voando na região já que era apenas sua terceira missão no Rio de Janeiro e, no momento da colisão, era ele o responsável pelo monitoramento da navegação.
Trajetória aproximada do LH 527
Por fim, o CENIPA analisou a ultima instrução dada pelo controlador, quando este já havia verificado a situação perigosa em que se encontrava o LH527. Ao solicitar que a aeronave realizasse curva para livrar os obstáculos, o controlador com voz apenas ligeiramente alterada, utilizou o termo em inglês “just now” ao invés de “immediately” não transmitindo à tripulação a iminência do perigo, tanto que até o soar do GPWS na cabine a mesma realizava a curva de modo suave, não demonstrando sensação da proximidade com os obstáculos.
Como em todas as investigações de acidentes aéreos, o principal objetivo não é apontar culpados, mas que sejam evitadas novas tragédias.
O CENIPA em seu relatório final apontou como recomendações, entre outras:
- utilizar a vetoração radar somente em casos de necessidade operacional;
- que os controladores tenham em mente que uma espera em solo é mais interessante em todos os aspectos do que vôos a baixa altitude e alongamento de trajetórias;
- que pilotos devem sempre efetuar sua própria navegação, checando todas as instruções e dirimindo todas as dúvidas;
- que todas as cartas aeronáuticas para uso em área terminal devam ser orientadas para o norte magnético.
Atualmente, nenhuma saída do Aeroporto Internacional do Galeão utiliza a rota adotada pelo Lufthansa 527.


Texto: André Werutsky
Fotos:  1 – Wolfang Mendorf. ©Airliners.net
            2 – André Werutsky (ilustração Google Earth)
            3 – Marcos L. Britto (disponível em http://www.trekkbrasil.blogspot.com/)
4 – André Werutsky (ilustração Google Earth)

Fonte de pesquisa:
Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Relatórios Finais de Acidentes Aeronáuticos 1975 a 1979. N. 8 Volume II.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

WE ARE MARSHALL

Em 14 de Novembro de 1970, um sábado, os Pirates da Universidade de East Carolina receberam os Thundering Herd, da Universidade Marshall para uma partida de futebol americano. Foi um grande jogo com o placar final de 17 a 14 para East Carolina.
Após o jogo, os 37 jogadores, 8 treinadores e 25 torcedores do time da Universidade Marshall dirigiram-se para o aeroporto de Kinston na Carolina do Norte, onde embarcariam num vôo fretado que os levaria de volta pra Huntington, West Viriginia. Naquela noite, no entanto, o que era ter sido apenas o retorno de um time de futebol para casa se tornaria a maior tragédia ligada ao esporte universitário americano.
Na pista de Kinston encontrava-se a aeronave DC-9 de matrícula N97S pertencente à empresa Southern Airways, que realizaria o vôo Southern 932 sob o comando de Frank H. Abott Jr., de 47 anos, há 21 anos na Southern Airways com aproximadamente 18.557 horas de vôo, das quais 2.194 na aeronave DC-9. Naquele vôo ele seria auxiliado pelo primeiro oficial Jerry R. Smith, de 28 anos com 5.872 horas de vôo, das quais 1.196 no DC-9. Completariam a tripulação um coordenador de vôo charter além de duas comissárias.
Ás 18:38 o DC-9 decolou do aeroporto de Kinston rumo a Huntington num vôo de aproximadamente 50 minutos a 26.000 pés de altitude. 
Após 38 minutos de vôo, o Southern 932 foi transferido pelo Centro de Controle de Indianápolis para o Controle de Aproximação de Huntington, momento em que recebeu do controlador as condições meteorológicas de Huntington, que não eram boas, apresentando nuvens esparsas a 300 pés de altitude, teto de 500 pés, encoberto entre 100 e 1000 pés, visibilidade de 5 milhas com chuva leve e nevoeiro.
O Southern 932 foi autorizado pela torre de Huntington às 19:22 para uma aproximação de não precisão balizada por VOR para a pista 11 do aeroporto Tri-State.
O aeroporto Tri-State estava localizado na cidade de Huntington e possuía ILS (Instrument Landing System) equipado apenas com localizador, sem glide slope, ou seja, a aeronave teria a direção da pista guiada pelo ILS, porém, a altitude e a razão de descida deveriam ser controladas pela tripulação. A MDA, ou altitude mínima de descida (altitude na qual a tripulação deve ter contato visual com a pista para prosseguir na aproximação), era de 1240 pés acima do nível do mar. Como o aeroporto Tri-State possuía uma elevação de aproximadamente 828 pés acima do nível do mar, a altitude de decisão seria 400 pés acima do terreno.
A partir de 19:26 acompanhamos os últimos 9 minutos de vôo na cabine do Southern 932 através da transcrição do microfone da cabine e conversas de rádio da tripulação. Palavras em sublinhadas entre parênteses são meramente explicativas e não fazem parte da transcrição oficial:

CAM – Microfone do cockpit
RDO – Transmissões de rádio
-1 – voz identificada como do comandante
-2 – voz identificada como do co-piloto
-3 – voz identificada como do tripulante adicional
-? – voz não identificada
HTS – Controle de Aproximação de Huntington

1926:43.1          CAM-2           Temos uma milha ou duas para chegar, Frank, é tudo.
                        CAM-?           Sim.
                        CAM-1           Estamos no localizador.
                        CAM-3           Espero que não tenhamos isto o caminho todo. Está ruim.
1927:58.9          CAM-2           Lá está ela. (referindo-se ao marcador externo)
RDO-2           Southern 932, estamos passando sobre o marcador agora, no afastamento.
HTS              Southern 932, ciente, reporte na perna de aproximação do marcador.
CAM-1           Slats e cinco. (slats e 5 graus de flap)
RDO-2            Muito bem.
1928:11.0         CAM-1            Slats e cinco.
1928:35.6         CAM-1            Pelas luzes do solo, parece nevoeiro
CAM-2           Uma pena não é?
CAM-1           Você verificou aproximação perdida?
CAM-2           Tudo bem, você sobe para 2.700 pés pelo curso leste do ILS, para a   posição Shoals, reporta em Shoals e depois direto.
CAM-2           Som de risadas.
CAM-2           Bem, eu não sei.
1930:03.0        CAM-2           Acredito que metade daquelas luzes deveriam estar à nossa esquerda. Porém é difícil dizer.
1930:43.6         CAM-1           Estamos na chuva, tudo bem.
CAM-2           É, eu sei.
1930:49.6         CAM-1            Com certeza estamos. A temperatura está caindo.
CAM-2           Sim, ah, a chuva está misturada com nevoeiro
                                             Som de limpador de pára-brisas começa.
                                             Som do trem de pouso em trânsito começa.
CAM-2           Ok, você tem o aviso de não fumar, ignição, radar standby, auto shutoff armado, esperando pelo trem de pouso. Spoilers?
CAM-1            Armados.
                                             Som do click similar aos spoilers sendo armados
CAM-2            Checado.
1931:26.2         CAM-1            Aquela coisa capturou, como capturou? (glide slope do ILS)
CAM-2           É, é necessário.
CAM-1           Você está capturando o glide slope e não tem glide slope.
CAM-2           Eu devo ter capturado no, ah, no ILS, ah, Frank, sem levar em conta o glide slope. Eu não tenho captura, no entanto.
1931:49.8         CAM-1            OK, me dê, ah, vinte e cinco. (25 graus de flap)
CAM-2           Sim, está bom, tem a captura.
CAM-1           Tirei fora agora.
CAM-2           Tem vinte e cinco nos flaps, tudo ok.
CAM-1           Nós devemos estar sobre o marcador externo a dois mil e duzentos pés.
CAM-2           Isso.
CAM-3           Desculpe Frank.
CAM-1           Você vai chamar os mínimos? (altitude mínima de descida ou MDA)
CAM-2           Sim, com certeza. Eu cantarei eles pra você.
CAM-2          Conforme formos descendo, este tempo ruim tem que nos dar uma pequena pausa.
CAM-1           Bom, se for como ele disse, não está nem um pouco pior do que ele disse, porque ---
CAM-2           Leve descida.
CAM-1           Está nos levando para o nível do marcador.
CAM-?           Sim, é suficiente.
CAM-?           Sim.
1933:17.9         CAM-1            Deve ser um pouco de chuva.
1933:19.9         CAM-2            De volta à sopa. (de volta às nuvens e chuva)
CAM-1           Jerry, estarei voando em torno de cento e trinta. (130 nós)
CAM-2           Vou checar o tempo para você. Será por volta de dois minutos do, ah, do marcador externo.
1933:43.4          RDO             Som do marcador externo começa.
1933:47.9          RDO             Som do marcador externo cessa abruptamente
RDO-2           Southern 932, no marcador externo, aproximando.
HTS              Southern 932, autorizado pouso. Você pode informar quando avistar as luzes. Vento três quatro zero graus com sete.
1933:59.1                               Som similar com click do seletor de flaps.
RDO-2            Tudo bem, as luzes estarão boas com intensidade três, eu acho.
HTS              Ciente, é onde elas estão, com o coelho. (luzes de lampejo seqüencial)
                      Avise quando quiser que corte.
RDO-2          Muito bem.
CAM-2           Na velocidade.
CAM-1           Este piloto automático não está respondendo certo.
CAM-2           É.
CAM-1           Deve pegar.
CAM-2           Ok, eu tenho o tempo para você.
1934:32.4         CAM-2            Mil pés sobre o solo, razão e velocidade boas.
CAM-2           Velocidade um pouco acima, você tem doze. (120 nós)
1934:35.4         CAM-1            Vê alguma coisa?
CAM-2           Não, não ainda. Está começando a clarear um pouco no solo aqui, a, ah, setecentos pés.
1935:06.8         CAM-2           Estamos duzentos pés acima. (acima da MDA)
1935:10.6         CAM-3            Aposto que vai ser uma aproximação perdida.
1935:18.2         CAM-2            Quatrocentos pés. (acima da elevação do aeroporto)
1935:19.3         CAM-1            É a aproximação? (referindo-se a MDA)
CAM-2           Sim.
1935:21.3         CAM-2            Cento e vinte e seis. (126 nós)
1935:25.7         CAM-2            CEM. (100 pés acima do solo)
1935:26.5                               Som do impacto começa.
1935:32.5                               Fim da gravação.


Às 1935:21 o comandante iniciou procedimento de arremetida, mas, aproximadamente 5 segundos depois, a aeronave colidiu com árvores em um monte a aproximadamente 1,5Km da cabeceira da pista 11 de Huntington. Após a colisão sucedeu-se um grande incêndio. Todos os 75 ocupantes do Southern 932 estavam mortos.
Investigadores do National Transportation Safety Board (NTSB), órgão responsável por investigar acidentes aéreos nos Estados Unidos, iniciaram então a busca por pistas das causas do acidente.
Em 14 de Abril de 1972, o NTSB divulgou o relatório final NTSB-AAR-72-11 que apresentava como provável causa do acidente a descida abaixou da MDA durante uma aproximação de não-precisão sob condições adversas de operação, sem contato visual com a pista.
A grande questão, no entanto, era por que a tripulação desceu abaixo da MDA durante a aproximação, já que a conversa entre os pilotos mostrava que estavam sempre monitorando a altitude, cientes da MDA e do procedimento de aproximação perdida.
O primeiro aspecto a ser analisado foi a conversa entre os pilotos entre 19:31 e 19:34. Diálogos entre a tripulação mostram preocupação com o desempenho do piloto automático e o fato de o comandante ter recebido um sinal de glide slope (rampa de descida) no seu instrumento ILS, quando o aeroporto Tri-State não possuía tal equipamento.
A investigação do NTSB reportou que provavelmente o seletor NAV SELECT do piloto automático estava na posição ILS quando na verdade deveria estar na posição MAN G/P ou NAV LOC, posição correta numa aproximação guiada apenas pelo localizador. Porém, um aumento na razão de descida indica que a tripulação alterou o seletor para a posição correta. Além disso, da fala do comandante não há como concluir em que aspecto o piloto automático não estava respondendo corretamente, não sendo considerado este um fator contribuinte.
A investigação passou então a analisar se os momentos finais da aproximação foram influenciados por alguma referência visual no solo. A conversa entre os membros da tripulação na fase final do procedimento indicava que estavam começando a ver luzes no solo. Talvez, o fato de estarem começando a ver luzes somado ao conhecimento de que estavam chegando à base das nuvens, poderia ter levado a tripulação a continuar a descida abaixo da MDA.
Foi levada em consideração a possibilidade de a aeronave ter avistado as luzes de uma refinaria próxima ao aeroporto que, no entanto, era localizada bem abaixo da elevação da pista, o que poderia ter gerado a ilusão de que era possível continuar a descida quando na verdade, elevações no terreno se aproximavam à frente.
No entanto, de acordo com os investigadores, caso a tripulação levasse em consideração as luzes da refinaria, a diferença na elevação da mesma para a pista levaria a tripulação a aumentar a razão de descida, o que não aconteceu.
De acordo com o relatório final, não há nenhuma evidência de que a tripulação tenha avistado as luzes da pista ou luzes próximas, senão as luzes da refinaria. Em nenhum outro momento a tripulação mencionou contato visual com o terreno.
Assim, sem uma explicação contundente para a descida abaixo da MDA, os investigadores voltaram suas atenções para uma discrepância entra a altitude apresentada pelo gravador de dados do vôo (FDR) e as chamadas de altitude realizadas pelo primeiro oficial captadas pelo gravador de voz do cockpit (CVR).
Analisando os dados destes dispositivos, os investigadores descobriram que todos os avisos de altitude feitos pelo primeiro oficial, a não ser o realizado a 1.000 pés, possuíam uma diferença 200 pés acima da altitude real da aeronave conforme tabela abaixo:

            Chamadas          Gravador de dados       Elevação do Terreno     Rádio-Altímetro
            Co-piloto                (nível do mar)                (nível do mar)            (calculado)
 700 pés                      1.330 pés                         550 pés                   780 pés
 200 acima                  1.224 pés                         530 pés                   694 pés
 400 pés                      1.005 pés                         690 pés                   315 pés

Foram levantadas duas hipóteses para este fato: um erro no sistema estático da aeronave ou uso pelo primeiro oficial do rádio-altímetro como instrumento primário para definir altitude da aeronave ao invés do altímetro barométrico.
A primeira hipótese tem como ponto fraco o fato de que, se aeronave apresentasse um problema em seu sistema estático, haveria uma discrepância nas leituras de velocidade, o que provavelmente teria sido notado pela tripulação e não há evidência de que tenha acontecido.
Antes de passarmos a análise da segunda hipótese, cabe uma breve explicação sobre a diferença dos altímetros no painel de instrumentos:
O rádio-altímetro mede a altitude da aeronave através do eco da emissão de um sinal de rádio enviado pela aeronave, similar ao que acontece com o sinal de radar.
O altímetro barométrico, por sua vez, mede a altitude através de dados de pressão conhecidos informados de uma determinada altitude, tal como o nível do mar ou elevação de uma pista, por exemplo.
Assim, em terrenos localizados ao nível do mar, tal diferença é de baixa relevância. No entanto, em terrenos acidentados como no sobrevôo de vales ou montanhas, os dois tipos de altímetro apresentarão leituras diferentes.
No caso do Southern 932, a aeronave voava boa parte da aproximação sobre vales, mais baixos do que a elevação da pista. Sendo assim, caso o primeiro oficial tivesse usado o rádio-altímetro como instrumento primário para medir sua altitude, ele receberia um eco de uma altitude menor do que elevação da pista que viria a sua frente. De forma didática, podemos dizer que o terreno se elevaria à sua frente.
O ponto fraco da teoria de que o primeiro oficial usava o rádio-altímetro ao invés do altímetro barométrico é que, na gravação das vozes da cabine, em alguns momentos o comandante fez menção a leituras do seu altímetro barométrico, o que teria feito com que notasse a discrepância entre as altitudes informadas pelo primeiro oficial e seu instrumento.
Em seu relatório final, o NTSB afirma que não pode ser determinado por que motivo a tripulação prosseguiu na aproximação final sem contato visual abaixo da MDA e que, em nenhum momento na gravação de vozes do cockpit, fica demonstrado que a tripulação sabia que estava voando abaixo da MDA.
Destaca-se ainda o fato de que o comandante não começou a nivelar a aeronave antes de chegar à MDA e, após passar pela altitude que pensavam ser a MDA, o comandante levou 3,7 segundos adicionais para começar a subida da aeronave, resultando numa descida adicional de aproximadamente 90 pés, que, somados à discrepância de 200 pés entre a altitude real e a informada, adicionaram o último fator que contribuiria para o fim trágico do Southern 932.
O acidente, como já citado, foi a maior tragédia relacionada ao esporte universitário americano e gerou grande comoção na comunidade.
Um memorial foi instalado no cemitério de Huntington, onde se encontram enterrados a maioria dos atletas e torcedores. Na placa do memorial está gravada a frase: “Eles viverão nos corações das suas famílias e dos seus amigos e este memorial lembra a sua perda para a universidade e comunidade”.
Em 1972, uma fonte em homenagem às vítimas foi colocada na entrada da Universidade Marshall. Todos os anos, no exato momento da queda do Southern 932 a fonte é desligada e só é ligada novamente na primavera.
Com a morte dos atletas e treinadores do time de futebol americano da Universidade Mashall, foi cogitado o fim do programa de futebol. Porém, em 1971, com novo treinador e um time composto basicamente por calouros, os Thundering Herds da Universidade Marshall iniciaram seu ressurgimento das cinzas do acidente.
Após um primeiro ano desastroso que teve como único destaque uma vitória no último tempo de um jogo em casa, em 1992 e 1996 a Universidade Marhsall venceu a divisão I-AA nacional. Em 1997 a universidade subiu para a divisão I-A. Venceu a Mid-American Conference nos anos de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2002.
A bela história de superação da Universidade Marshall e da comunidade de Huntington após a tragédia foi contada no filme “We are Marshall”, de 2006 (no Brasil “Somos Marshall”).

Texto: André Werutsky
Fotos:  1 – Creative commons
            2 – Relatório final NTSB-AAR-72-11
            3 – Chris Henry (disponível em http://www.flickr.com/photos/mustangdriver/)

Fontes de pesquisa:
National Transportation Safety Board. NTSB-AAR-72-11. Washington, D.C., 14 apr. 1972.
GERO, David. Aviation Disasters. Fifth ed. Stroud: History Press, 2009.